Thursday, September 08, 2005

Carta

Home,

Estou escrevendo esta carta para dizer que nunca te encontrei. Eu nunca estive onde você estava, onde você esteve. Minha margem era sempre o fundo do rio. Você insistia em voar de asa delta.

Ontem sentei novamente na ponta daquele quebra-mar. Lembrei das tantas vezes em que tudo era saber você. Lembra do universo que era meu corpo? Está implodindo, toda aquela escuridão de beleza, de prazer, de intimidade, está indo embora. Meu corpo (e isso é algo que me deixa triste) está voltando a ter a cor de sempre. Mas essa, essa cor não fica para sempre e você também não vai ficar.

Estou escrevendo esta carta porque o tempo é inevitável. Esta carta foi feita para ser perdida dentro de um livro esquecido na estante, para ser roída pela traça mais gordinha que a sua biblioteca tiver, para ser encontrada por escanfandristas (Ah! Chico Buarque...) quando o dilúvio vier e o sertão virar mar. Esta é uma carta feita para ser desfeita.

Ontem foi ontem novamente e eu lembrei de você pela penúltima vez. A última ainda está por vir, e não é essa. Ontem foi ontem, mas a minha sede, que você imbecilmente ignora, é de apenas um hoje feliz. É de um carinho que retorne para mim como o protetor solar espalhado nas suas costas. Eu também quero me proteger do sol. Quero que me protejam.

Estou escrevendo esta carta porque não paguei o telefone, esqueci dos prazos esperando que as nuvens refizessem a imagem do seu rosto. Estou escrevendo esta carta porque você não atende o telefone. Estou escrevendo esta carta molhado da chuva que tomei no orelhão.

Ontem ficará para trás, mas enquanto isso eu deixo esse dia ecoar no meu albúm de fotos imaginário. Irá diminuir, diminuir, passará de poster de 3 folhas, frente e verso, para uma fotografia 3 x4 no canto inferior esquerdo da página ímpar. Vai ser preciso separar com cuidado as folhas para não arrancar seu rosto dali. Enquanto isso, ocupe o espaço que quiser.

Estou escrevendo esta carta porque você não quer. Estou escrevendo esta carta porque não sei onde você está.

Escrevi esta carta, mas não sei como entregar.

Carinho,

Later.

8 comments:

Anonymous said...

Antes de comentar teu post, deixe-me abrir um parêntese:
(Diogo eh muuuito engraçado! E eu adoro esse esquizito que naum sabe escrever direito..rss)
Pronto.
Todos nós um dia jah escrevemos ou iremos escrever cartas como essa. Eh necessário pra continuar a viver. Naum estamos livres disso, e um dia cada um terá que passar por isso, se naum eu digo que eh fdp sortudo.
Eu ateh jah tentei escrever essa carta, ateh jah escrevi, mas escrevos outras que ficam por cima dessa e de nada adianta. Um dia conseguirei!
Adorei uma frase:
"...para ser roída pela traça mais gordinha que a sua biblioteca tiver..." (taum linda a traça gordinha).
Um xero escritor, tava com saudade dos teus textos

Anonymous said...

Ha!
Escrever carta.. essa é comigo mesmo! Melhor forma de expressão, sem contra-argumentários dolorosos e doloridos.
Xero, amigo geminiano!
:**

Anonymous said...

"Esqueci dos prazos esperando que as nuvens refizessem a imagem do seu rosto..."

Sem mais...

Anonymous said...

Amigo, só me lembro daquele poema do Pessoa( Álvaro de Campos ):

"Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Se eu quisesse escrever uma carta agora, tal não seria possível. Tu me deixaste sem palavras!

Já agora deixo-te aqui a letra de uma canção ( dedicada ao primeiro parágrafo da tua carta):
A Paixão
Carlos Tê / Rui Veloso
Tu eras aquela que eu mais queria
para me dar algum conforto e companhia
era só contigo que eu sonhava andar
para todo o lado e até quem sabe ? Talvez casar

Aí o que eu passei só por te amar
a saliva que eu gastei para te mudar
mas esse teu mundo era mais forte do que eu
e nem com a força da música ele se moveu

(Refrão)

Mesmo sabendo que não gostavas
empenhei o meu anel de rubi
para te levar ao concerto
que havia no rivoli

Era só a ti que eu mais queria
ao meu lado no concerto nesse dia
juntos no escuro de mão dada a ouvir
aquela música maluca sempre a subir

Mas tu não ficaste nem meia-hora
não fizeste um esforço para gostar e foste embora
contigo aprendi uma grande lição
não se ama alguém que não ouve a mesma canção

(Refrão)

Foi nesse dia que percebi
nada mais por nós havia a fazer
a minha paixão por ti era um lume
que não tinha mais lenha por onde arder


Fica bem!Escrevi demais! A culpa é tua. Adorei o texto!

Anonymous said...

Aê tio Vlad! Vc me fez relembrar o passado e junto com ele, vasculhar em minhas velhas cartas de amor e sabe o que eu descobri?: Uma "traça gordinha" roeu uma delas, não sei se a mais importante, talvez não tenha mais importante... talvez não sejam mais importante, ou nunca tenham sido!!!
Descobri tb q essa foi a ultima vez q me lembrei da pessoa p q mandei as cartas... meu amor pegou fogo... na fogueirinha q eu fiz com elas!!!
Ah! Axo que queimei a traça gordinha!!!!!

Anonymous said...

Too late - eu acho.

"lágrimas por ninguém
só porque é triste o fim"

São assim as despedidas, pelo menos pra mim.

Mas fim é começo, né?
Boa sorte

Anonymous said...

tem vezes q ao ler o q vc escreve, fico totalmente sem palavras... esta foi mais uma vez... e eu num me canso de repetir q vc é muito foda....

bjo grande menino....

Anonymous said...

Também já escrevi cartas de amor, e escrevê-las dói muito mais do que a própria dor, talvez porque quando estamos em despedida ocupamo-nos em nos distrair, porque essa distração afasta, mesmo que ilusoriamente, o dentro da gente..., mas de repente, em meio à distração, o oco de dentro explode em vômito, daí somente nos resta escrever uma carta de amor, que na verdade, de amor nada tem: o amor já foi, mesmo que a gente ainda sinta o ressonar da respiração na bochecha esquerda, bem perto do coração.