Monday, June 29, 2009

Vamos brincar de poesia?



Tô com saudade de poesia, depois de alguns anos de jejum talvez esteja na hora de voltar a ler um livro de poemas. Talvez o mais marcante, o mais bonito, o que ficou mais fundo em mim tenha sido "Poemas para brincar", do José Paulo Paes, lido primeiro na infância, depois novamente na adolescência (quando conheci a poesia "adulta" dele) e repetidamente sempre que encontro esse livro em casa. Luiz Maia ilustrou no tom certo esses poemas infantis que me divertem e me fazem feliz até hoje. O abecedário impossível ao final do livro é uma das minhas referências em termos de humor, entre tantos outros grandes poemas. Então, ficam aqui o "Convite" que abre o livro e, só pra arrematar, um do patrono desse site, Paulo Leminski, continuando com a vibe Desperado.

Convite (José Paulo Paes)

Poesia

é brincar com palavras

como se brinca

com bola, papagaio, pião.

Só que

bola, papagaio, pião

de tanto brincar

se gastam.

As palavras não:

quanto mais se brinca

com elas

mais novas ficam.

Como a água do rio

que é água sempre nova.

Como cada dia

que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

[Transar bem todas as ondas] (Paulo Leminski)


Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense.
A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada.

Monday, June 15, 2009

Readlist Comentada

Últimos 5
1 – Carta ao Pai (Franz Kafka): Muito bom, terminei de ler vendo o jogo do Brasil. O livro tava mais interessante. Carta de um filho muito puto com seu pai aos 36 anos. E ele acabou nunca enviando a carta. Seriously? Get a life. Ou melhor, no caso dele, get a wife. Enfim, é por dessa situação pessoal tosca que Franzinho consegue fazer um livro do caralho. Para relembrar todos os defeitos e esquisitices que você deve à fuleragem dos seus pais.
2 – O tigre branco (Aravind Adiga): Ganhador do Prêmio Booker em 2008, tipo um Oscar inglês da literatura. Narrador pobre escroto que sobe na vida após matar e roubar o chefe. Narração interessante, mas, não sei, eu tenho alguns receios com literatura sujinha de denúncia política e social. Ainda assim, pelo humor e pela ironia do narrador, vale a pena.
3 – Ciências Morais (Martín Kohan): Sexta-feira imprensada, liberado do trabalho, li nas paradas da minha caminhada pela 13 de Julho, Riomar, etc. Mais um exemplo de livros que usam a escola como metáfora para a nação. Narração focada numa inspetora do Colégio Nacional de Buenos Aires durante a Guerra das Malvinas. Tinha tudo pra ser um livrinho manjado, mas o cara conseguiu fazer uma coisa bem interessante. Joga muito bem com silêncios e consegue deixar o leitor interessado com o mínimo de ação.
4 – O casamento (Nelson Rodrigues): Why, lord why? Okey, eu gosto de putaria e gosto de ler putaria. Mas, mesmo o livro sendo muito bom, será que esse cara não poderia ter sido um pouco menos doentio? Nem todo mundo precisa deflorar virgens na frente de outros pra ter prazer. Sem falar do enredo, dou logo a moral da história: todo mundo é escroto e todo mundo tem problemas sexuais. Ah, foi proibido pela ditadura e depois liberado. Só pra aumentar um pouco mais o fuzuê em torno dele.
5 – Angústia (Graciliano Ramos): Tio Graci, te amo do fundo do meu cruel coração, mas concordo com o que você disse em outro livro seu: dava pra ter cortado pelo menos metade desse livro pra ele ficar melhor. Enfim, pra quem acha que o cara é só sertão, esse é um livro bem psicológico, com ótimos diálogos interiores. Sinceramente, um clássico brasileiro que devia ser mais lido. Mas um clássico que merecia ter tido um editor mais cruel (quer que eu edito?!).

Próximos 5
1 – Invenção e memória (Lygia Fagundes Telles): Li muito tempo atrás o “Antes do Baile Verde” dela, achei esquisito, mas gostei. Tou precisando ler uma mulher esse ano pra preencher a cota, então vamos lá.
2 – O filho da mãe (Bernardo Carvalho): Pode ser uma bichinha chata e metida, mas é um dos melhores brasileiros escrevendo atualmente. Esse é o novo dele.
3 – Todos os fogos o fogo (Julio Cortázar): Não tenho a mínima idéia sobre o que é o livro, mas a curiosidade depois de ter lido “Bestiário” fala mais alto.
4 – Os detetives selvagens (Roberto Bolaño): Adoro esse chileno. É um dos autores quentes do momento, mas o cadáver já frio tem alguns anos. Li algumas coisas muito boas dele (a mais recente, “Amuleto”, bem divertido e louquinho), e agora finalmente me decidi a encarar a chamada obra-prima do cara. Que sempre tem que ser um catatau da porra, quando se trata de escritores. Então, desejem-me sorte.
5 – O quinto eu não sei ainda, então bota na conta do Roberto aí de cima e fica tudo certo.

Sorte do dia:
“A dúvida converte um homem bom em um paranóico delirante.”

Tuesday, June 09, 2009

Passo a passo

Acordo com susto, sem dor, sem cansaço, sem sono, desperto subitamente sabe-se lá por quê. O relógio do corpo parou de funcionar. Antes, era simples. Dormir tarde, acordar tarde. Para ocupar o tempo vazio da noite, livros, filmes, amigos, cerveja, jogos de computador. Qualquer coisa para não dormir logo, para acordar já na hora do almoço, quando o dia me exige que eu seja útil. Para não ter que encarar o tempo vazio da manhã. Ando com medo de ficar às sós comigo, como espelhos estivessem ao meu redor, e cada um deles fosse de sangue e carne de juiz, júri, executor. Devo alguma coisa para mim mesmo, e não sei (não quero saber) o que é.

Na verdade, os espelhos estão de verdade ao meu redor. Os quartos desse apartamento novo são cheios de espelhos de corpo inteiro. No meu quarto é pior, já que posso olhar meu rosto mesmo deitado. Aqui, neste quarto que não é meu, mas que ocupo há alguns meses, os espelhos me poupam e sobram-me os pés. Este quarto de minha irmã (ausente, morando em outra cidade, como eu o fiz antes dela), assim como o meu, foi projetado especialmente para este novo apartamento, em que meus pais moram há mais ou menos dois anos e meio. Mudaram-se na mesma época em que saí daqui. Este quarto não é meu, assim como o outro nunca o foi. Aquele que deveria ser meu parece-me projetado para um outro corpo, uma outra pessoa. Tem as paredes pintadas de um azul infantil, boboca, idiota, que parece uma tentativa forçada de me regredir para a pré-adolescência, época das mais macabras que já vivi. Este, da minha irmã, é um quarto rosa, também num tom boboca, infantilóide, estúpido. A ela, pelo menos, tiveram a consideração de dar uma cama de casal, enquanto eu me mantive na cama de solteiro dos filhos caçulas, abençoados e amaldiçoados por esse afeto diferente de que são vítimas.

Não me importo em viver em um quarto rosa, não me fere de modo algum a masculinidade. Já vivi em um quarto rosa antes, por um ano, numa pensão. Num quarto rosa-choque com cortinas verde-cana, talvez uma possível paródia das cores da Mangueira. Um quarto de pensão, em que se ouvia tudo dos outros quartos e dos apartamentos acima; em que se precisava afastar a cama da parede e retirar todos os objetos do chão caso se fosse sair em época de chuva; um quarto escuro, opressivo, frio. Mas que sentia como mais meu do que este em que acordo sem saber por que às 4 horas da manhã, sem sono, como se uma energia represada se manifestasse contra minha vontade, e completamente fora de hora.

O relógio do corpo parou. Antes, era simples. Mas eu resolvi começar a acordar cedo, comprei um despertador, e agora meu corpo parece se revoltar contra qualquer tipo de disciplina que eu tente impor a ele e me diz que se acostumou com a vida boêmia, queira ou não. Vou ignorá-lo, e insistir. Pareço um bebê dando seus primeiros passos, ou melhor, um aleijado que está reaprendendo a andar, com pernas que não sabem mais como se sustentar. Vamos com os primeiros passos. Talvez um deles, este texto. E este blog, tão abandonado, coitado, está parecendo minha vida. Vivendo de começos, fins e recomeços.