Sunday, September 16, 2007

Readlist 1

Vou começar a postar com alguma regularidade uma readlist com os cinco próximos livros que pretendo ler. E aí vocês me ajudam acompanhar o que eu deixo de lado e o que eu cumpro.

1 - Espiral de Artilharia, do mexicano Ignacio Padilla. (Lendo)
2 - Respiração Artificial, do argentino Ricardo Pigila. (Releitura)
3 - Avalovara, do brasileiro Osman Lins. (Releitura parcial)
4 - A escrita ou a a vida, do espanhol Jorge Semprun.
5 - A festa, do brasileiro Ivan Ângelo.

Ah, aceito sugestões.

Abraços

Qualquer coisa que me ajude a existir

Há alguns anos atrás, comprei por curiosidade tipicamente geminiana um livro do António Lobo Antunes, romancista português que sempre colocam acima ou no mesmo nível do Saramago. Só que o livro encalhou por muito tempo na minha lista de leituras, sendo salvo do esquecimento somente no mês passado. Li Os cus de Judas e achei incrível. Um dos melhores livros que já li. Não consegui resistir e no começo desse mês comprei Memória de Elefante, primeiro romance dele, e que forma junto com os Os cus de Judas e Conhecimento do Inferno um tipo de trilogia inicial da obra dele. Terminei de ler hoje o Memória de Elefante e, mesmo achando Os cus melhor (que frase complicada essa…), gostei muito do livro.
Só pra ter uma idéia um pouco melhor, ambos os livros giram em torno de um psiquiatra atormentado pelo fim do seu casamento e pelas memórias da guerra de Angola. Isso tudo faz do cara um alter ego do próprio Lobo Antunes, que era psiquiatra (hoje se dedica exclusivamente à literatura) e serviu o exército português como médico em Angola.
Aí vão alguns trechos que eu gostei. As imagens que ele constrói são bem inusitadas e fortes, as frases se alongam ritmadamente e o enredo praticamente não avança por conta da profusão das digressões que o narrador faz.

Fracasso:
“Seus projectos imaginários de Zorro dissolviam-se sempre, antes de começarem, no Pinóquio melancólico que o habitava, a exibir a hesitação do sorriso pintado sob a linha resignada da sua boca autêntica.”

Solidão:
“Uma garrafa de aguardente iluminava a cozinha vazia da lâmpada votiva de uma felicidade de cirrose. De roupa espalhada no soalho o médico aprendia que a solidão possui o gosto azedo do álcool sem amigos, bebido pelo gargalo, encostado ao zinco do lava-loiças. E acabava por concluir, ao repor a rolha com uma palmada, assemelhar-se ao camelo recheando a sua bossa antes da travessia de uma longa paisagem de dunas, que teria preferido nunca conhecer.”

O fundo do poço:
“- Você encontra-se (observe-me bem) por felicidade sua e infelicidade minha defronte do maior espeleólogo da depressão: oito mil metros de profundidade oceânica da tristeza, negrume de águas gelatinosas sem vida salvo um ou outro repugnante monstro sublunar de antes, e tudo isto sem batiscafo, sem escafandro, sem oxigênio, o que significa, obviamente, que agonizo.”

Amadurecimento:
“Será que cresci, que cheguei realmente a crescer, interrogou-se o psiquiatra correspondendo com o joelho à pressão de anca da mulher do leopardo de plástico, de avaliá-lo de viés com lenta pálpebra sabida, crescer de facto ou permaneci um puto assustado de cócoras na sala entre gigantescas pessoas crescidas que me acusam, fitando-me em silêncio numa hostilidade horrível, ou tossindo de leve, a coberto de dois dedos, a sua desaprovação resignada? Dêem-me tempo, pediu ele a essa roda de ídolos da Ilha de Páscoa que o perseguia de um amor ferozmente desiludido, dêem-me tempo e serei exactamente o que vocês desejam como vocês desejam, sério, composto, conseqüente, adulto, prestável, simpático, empalhado, miudamente ambicioso, sinistramente alegre, tenebrosamente desingénuo e definitivamente moro, dêem-me tempo, give me time”

Bem, além disso, algumas frases de efeito tiradas ao léu do livro:
“- Quanto mais se conhecem os homens mais se apreciam os eletrodomésticos, responde ela. Eu vivo maritalmente com um fogão de dois bicos e somos felizes. Só é pena o pulmão de aço da botija de gazcilda.”
“Digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti” (do narrador despedindo-se de um ficha de cassino perdida).
“O que eu faria se estivesse no meu lugar?”
E a frase final do livro e que dá título a esse post:
“Talvez mesmo, meu amor, que compre uma tapeçaria de tigres como a do Senhor Ferreira: podes achar idiota mas preciso de qualquer coisa que me ajude a existir.”


Wednesday, September 12, 2007

O silencioso desafio do outro

Ahan, ahan. Deixe eu limpar a garganta para as palavras saírem melhor, limpar as teias de aranha que já tomavam conta do espaço em negro, da caixa de comentários, do próprio link desse blog. E vamos começar de outro jeito. Sem pretensões, sem novos contos, sem tentar escrever. Vamos só deixar pedaços de coisas legais que tenho lido.

Primeiro, um poema que está no romance O leitor, do alemão Bernard Schlink. Um livro sensível, com uma discussão sobre amor, responsabilidade, culpa e perdão. Um jovem de 15 anos inicia uma relação amorosa com uma mulher mais velha e anos depois descobre que ela tinha sido uma guarda feminina em um campo de concentração. Muito bom o livro, um dos prediletos da temporada. O poema é esse:

Quando nos abrimos
você a mim e eu a você,
quando afundamos
em mim, você, e eu em você,
quando percebemos
você dentro de mim e eu dentro de você.

Então
Eu sou eu
E você é você.

Tem cara de poema de amor, aparece no livro como um poema de amor, mas eu gosto mais dele por outros motivos. Pra mim é um poema sobre a relação com o outro, de uma forma bem mais ampla. Mas, enfim, o que é o amor senão uma das mais altas formas de se relacionar com o outro?

Pra continuar nesse ritmo, uma citação de um capítulo do livro O mal-estar da pós-modernidade, do sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Baumam. Esse é um dos meus livros prediletos de sociologia contemporânea, e o Bauman tem diagnósticos bem interessantes sobre a pós-modernidade nesse e em outros livros (aqueles da série “líquida”). O capítulo é sobre ética, baseando-se na obra de Emmaneul Levinas, um francês fodão. Eu acho o começo lindo:

O mundo moral de Levinas estende-se entre eu e o Outro. É esse espaço que Levinas repetidamente visita por intermédio de suas obras éticas, explorando-o com excepcional determinação e paciência. É no interior desse espaço que ele encontra o berço da ética e todo o alimento que o eu ético necessita para manter-se vivo: o silencio desafio do Outro e a minha dedicada mas desprendida responsabilidade.

Só pra terminar, juro que estou acabando, um pedacinho do romance Bolor, do português (abração, Rute!) Augusto Abelaira. O livro foi publicado em 1968, ainda durante o salazarismo. É o(s) diário íntimo (ou político?) de um cara em crise no casamento, só que o livro vai ficando muito louco e você termina o livro sem saber quem é que realmente está escrevendo o diário: ele, a mulher dele, o amante da mulher dele (que também é melhor amigo do cara) ou até mesmo a mulher do amante da mulher dele. Enfim, doidera do melhor nível. Só pra dar o gostinho, esse trecho de um dos diálogos entre o Humberto (o marido) e a Maria dos Remédios (a esposa). Quem começa falando é ela:

- (…) É certo, viver contigo não dá a felicidade e comporta também certos riscos. Mas riscos mensuráveis, sei bem quais são… Iniciar vida nova! E sobretudo quando já não se acredita muito nessa vida nova, aos trinta e tal anos, quando se pensa que nada há a fazer, que, faça-se o que se fizer, não há salvação possível… Mas apesar de tudo tenho sorte, tu és a melhor das hipóteses que me poderia ter saído na fita…
- Preciso de ti. Sem ti, como acreditar que sem ti poderia começar uma vida nova? Acreditar que sem ti poderia renascer, que só tu impedes que eu possa renascer é muito importante para mim…, és o meu fascismo!


Bem, voltei, mas como podem ver, não voltei com tudo. Quem sabe quando surgirem outros trechos legais das minhas leituras eu não posto algo de novo por aqui.

Saudades de todos vocês.