Friday, August 07, 2009

Uma canção natimorta

Eu queria escrever uma canção sobre uma adolescência esquisita, com meu corpo isolado do mundo por um casaco de mangas muito longas, com meu rosto encoberto por uma cortina de cabelos, com minha voz encoberta pela timidez e pelo ressentimento.

Eu queria que fosse uma canção boba como os tantos poemas de amor que já escrevi, como todas as paixões que já tive, bobo como o primeiro grande amor, bobo como o segundo grande amor, bobo como eu tantas vezes, bobo como todas as vezes em que relutei em amadurecer e continuei sendo um bobo, distraído e ingênuo, envolto na meia de lã das minhas bobagens.

Eu queria que fosse uma canção, porque na adolescência as únicas narrativas são de aventura, terror ou romance, e eu queria falar de angústia, do desespero de não se sentir pronto, de tardes e noites passadas no escuro de um quarto trancado, de conhecimentos obscuros da vida adulta que vão acontecendo sem que você peça, depois que você já os tinha esquecido, ou antes mesmo que você soubesse qualquer coisa a respeito deles, do primeiro contato com a vida e com a morte, com o sexo e com o amor, com a traição, a malícia, a maldade.

Eu queria escrever uma canção, mas eu não sei mais escrever versos, eles me parecem todos escritos por algum cadáver que sobrou da minha adolescência e continua impregnado nos meus ossos, dividindo meu corpo, incapaz de sair mim, de me deixar seguir minha vida, e que continua me julgando com toda sua ingenuidade, condenando meu cinismo, minhas traições, minha malícia, minha maldade. Ele me olha de dentro de mim e tentar murmurar com uma língua que não mais lhe pertence: eu não queria ser você.

2 comments:

Erika said...

Não existe nada nessa vida que não nos faça crescer.

Olhar pra frente e só lembrar das coisas do passado como uma lição. E só.

Viver primeiro, querido. Morrer depois.

Mesmo com as dores, os ressentimentos e todas essas coisas que a vida - ah, vida! - nos traz... Bom,

só te garanto uma coisa :

A graça de viver é essa.

' Viver e não ter a vergonha de ser feliz.'

gabriela caldas said...

eu conheci esse adolescente parecia tao bem ...