Monday, May 23, 2005

Onde andará Mr. Despair?

A primeira vez que vi Mr. Despair ele estava sentado na cadeira giratória do meu quarto. É claro que naquela época meu quarto não tinha poltrona giratória, mas lá estava ele. Eu tinha acabado de chegar de uma festa, a escuridão da madrugada não me deixava divisar o rosto dele, só suas longas pernas apoiadas na minha cama tinham relevo. A pouca luz que as janelas do meu quarto deixavam entrar me descotinava um pedaço de ombro nu.
Quando penso em Mr. Despair, imagino logo seus pés e seu ombro, singelo ombro. Sua presença era uma nuvem quente que ocupava meu quarto. Ele não iria sair de lá. Um suspiro longo confirmou sua presença, e o barulho sutil de uma garrafa sendo erguida do chão delatou seu gesto. Um gole longo, a nuvem quente se espessou.
Fechei a porta devagar, como sempre faço, e minha mão já quase estava no interruptor do ventilador de teto quando ele falou:
- Não ligue, por favor. Está bem assim.
A voz de Mr. Despair não soou rouca, profunda, áspera ou de qualquer modo calejada. Era uma voz suave, porém forte, e a nuvem quente se tornou ácida com seu hálito. Era uma voz cultivada para a mansidão, que se ouvia pouco, guardando-se para as horas certas: gritos alucinados, risadas contidas, e confissões ao pé do ouvido.
Tirei minha camisa, meus tênis, minhas meias, com a pressa e embriaguez de um fim de noite. Sentei-me na cama, encostei-me nas amolfadas, uma perna jogada para fora, a cabeça recostada num dos braços. Comecei a fechar os olhos, descansar a vista, para poder me acostumar àquela escuridão.
Minhas janelas vacilaram e a luz da madrugada começava a romper a aura de sombras de Mr. Despair. Vi seu rosto: firme, sólido, resoluto. Os olhos me feriram ao refletir a luz. Eram de uma cor que só a escuridão saberia dizer. Seu tronco estava nu, e era de poucos pêlos. A garrafa era uma vodca barata.
A nuvem quente me obrigou tirar minhas calças e ficar nu. Deitei, a madrugada começava a pesar nos meus olhos. Mr. Despair se despediu suspirando:
- Está certo. Podemos começar.



Vladimir lê: Onde andará Dulce Veiga?, de Caio Fernando Abreu.

3 comments:

Anonymous said...

Isso é uma evasão pros teus problemas
ou é algum tipo de perversão?
huaihauihauia.. te doro!
saudades. :~
ah, a distância. x)

Anonymous said...

ops, Adoro
hauihauiahuiahuia
..
*

Anonymous said...

Adorei o texto!!
Gosto de coisas que me fazem pensar..." de onde será que vem isso?"
Bjos