Wednesday, September 12, 2007

O silencioso desafio do outro

Ahan, ahan. Deixe eu limpar a garganta para as palavras saírem melhor, limpar as teias de aranha que já tomavam conta do espaço em negro, da caixa de comentários, do próprio link desse blog. E vamos começar de outro jeito. Sem pretensões, sem novos contos, sem tentar escrever. Vamos só deixar pedaços de coisas legais que tenho lido.

Primeiro, um poema que está no romance O leitor, do alemão Bernard Schlink. Um livro sensível, com uma discussão sobre amor, responsabilidade, culpa e perdão. Um jovem de 15 anos inicia uma relação amorosa com uma mulher mais velha e anos depois descobre que ela tinha sido uma guarda feminina em um campo de concentração. Muito bom o livro, um dos prediletos da temporada. O poema é esse:

Quando nos abrimos
você a mim e eu a você,
quando afundamos
em mim, você, e eu em você,
quando percebemos
você dentro de mim e eu dentro de você.

Então
Eu sou eu
E você é você.

Tem cara de poema de amor, aparece no livro como um poema de amor, mas eu gosto mais dele por outros motivos. Pra mim é um poema sobre a relação com o outro, de uma forma bem mais ampla. Mas, enfim, o que é o amor senão uma das mais altas formas de se relacionar com o outro?

Pra continuar nesse ritmo, uma citação de um capítulo do livro O mal-estar da pós-modernidade, do sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Baumam. Esse é um dos meus livros prediletos de sociologia contemporânea, e o Bauman tem diagnósticos bem interessantes sobre a pós-modernidade nesse e em outros livros (aqueles da série “líquida”). O capítulo é sobre ética, baseando-se na obra de Emmaneul Levinas, um francês fodão. Eu acho o começo lindo:

O mundo moral de Levinas estende-se entre eu e o Outro. É esse espaço que Levinas repetidamente visita por intermédio de suas obras éticas, explorando-o com excepcional determinação e paciência. É no interior desse espaço que ele encontra o berço da ética e todo o alimento que o eu ético necessita para manter-se vivo: o silencio desafio do Outro e a minha dedicada mas desprendida responsabilidade.

Só pra terminar, juro que estou acabando, um pedacinho do romance Bolor, do português (abração, Rute!) Augusto Abelaira. O livro foi publicado em 1968, ainda durante o salazarismo. É o(s) diário íntimo (ou político?) de um cara em crise no casamento, só que o livro vai ficando muito louco e você termina o livro sem saber quem é que realmente está escrevendo o diário: ele, a mulher dele, o amante da mulher dele (que também é melhor amigo do cara) ou até mesmo a mulher do amante da mulher dele. Enfim, doidera do melhor nível. Só pra dar o gostinho, esse trecho de um dos diálogos entre o Humberto (o marido) e a Maria dos Remédios (a esposa). Quem começa falando é ela:

- (…) É certo, viver contigo não dá a felicidade e comporta também certos riscos. Mas riscos mensuráveis, sei bem quais são… Iniciar vida nova! E sobretudo quando já não se acredita muito nessa vida nova, aos trinta e tal anos, quando se pensa que nada há a fazer, que, faça-se o que se fizer, não há salvação possível… Mas apesar de tudo tenho sorte, tu és a melhor das hipóteses que me poderia ter saído na fita…
- Preciso de ti. Sem ti, como acreditar que sem ti poderia começar uma vida nova? Acreditar que sem ti poderia renascer, que só tu impedes que eu possa renascer é muito importante para mim…, és o meu fascismo!


Bem, voltei, mas como podem ver, não voltei com tudo. Quem sabe quando surgirem outros trechos legais das minhas leituras eu não posto algo de novo por aqui.

Saudades de todos vocês.

2 comments:

Anonymous said...

Finalmente tu decidiu dar uma espanada nesse blog! Fico feliz!
E outra.. a quantidade de cerva poderia ser elevada, quando estávamos no Big Brother.. mas lembro de tu falando do primeiro livro (o da poesia!)
Menino, fiquei até curiosa!
Huahuahaua!

Xeroo T.J.
:**

Vladimir Oliveira said...

Gabi, o livro que eu tinha comentado com vocês era O Tambor, do Günter Grass, outro romance de um alemão sobre o nazismo, mas muito diferente de O leitor. O primeiro é mais sátira, bem picaresco, e bem longo, já o segundo é mais íntimo, reflexivo, sutil e sucinto. Recomendo os dois.
Beijos!