Acordo com susto, sem dor, sem cansaço, sem sono, desperto subitamente sabe-se lá por quê. O relógio do corpo parou de funcionar. Antes, era simples. Dormir tarde, acordar tarde. Para ocupar o tempo vazio da noite, livros, filmes, amigos, cerveja, jogos de computador. Qualquer coisa para não dormir logo, para acordar já na hora do almoço, quando o dia me exige que eu seja útil. Para não ter que encarar o tempo vazio da manhã. Ando com medo de ficar às sós comigo, como espelhos estivessem ao meu redor, e cada um deles fosse de sangue e carne de juiz, júri, executor. Devo alguma coisa para mim mesmo, e não sei (não quero saber) o que é.
Na verdade, os espelhos estão de verdade ao meu redor. Os quartos desse apartamento novo são cheios de espelhos de corpo inteiro. No meu quarto é pior, já que posso olhar meu rosto mesmo deitado. Aqui, neste quarto que não é meu, mas que ocupo há alguns meses, os espelhos me poupam e sobram-me os pés. Este quarto de minha irmã (ausente, morando em outra cidade, como eu o fiz antes dela), assim como o meu, foi projetado especialmente para este novo apartamento, em que meus pais moram há mais ou menos dois anos e meio. Mudaram-se na mesma época em que saí daqui. Este quarto não é meu, assim como o outro nunca o foi. Aquele que deveria ser meu parece-me projetado para um outro corpo, uma outra pessoa. Tem as paredes pintadas de um azul infantil, boboca, idiota, que parece uma tentativa forçada de me regredir para a pré-adolescência, época das mais macabras que já vivi. Este, da minha irmã, é um quarto rosa, também num tom boboca, infantilóide, estúpido. A ela, pelo menos, tiveram a consideração de dar uma cama de casal, enquanto eu me mantive na cama de solteiro dos filhos caçulas, abençoados e amaldiçoados por esse afeto diferente de que são vítimas.
Não me importo em viver em um quarto rosa, não me fere de modo algum a masculinidade. Já vivi em um quarto rosa antes, por um ano, numa pensão. Num quarto rosa-choque com cortinas verde-cana, talvez uma possível paródia das cores da Mangueira. Um quarto de pensão, em que se ouvia tudo dos outros quartos e dos apartamentos acima; em que se precisava afastar a cama da parede e retirar todos os objetos do chão caso se fosse sair em época de chuva; um quarto escuro, opressivo, frio. Mas que sentia como mais meu do que este em que acordo sem saber por que às 4 horas da manhã, sem sono, como se uma energia represada se manifestasse contra minha vontade, e completamente fora de hora.
O relógio do corpo parou. Antes, era simples. Mas eu resolvi começar a acordar cedo, comprei um despertador, e agora meu corpo parece se revoltar contra qualquer tipo de disciplina que eu tente impor a ele e me diz que se acostumou com a vida boêmia, queira ou não. Vou ignorá-lo, e insistir. Pareço um bebê dando seus primeiros passos, ou melhor, um aleijado que está reaprendendo a andar, com pernas que não sabem mais como se sustentar. Vamos com os primeiros passos. Talvez um deles, este texto. E este blog, tão abandonado, coitado, está parecendo minha vida. Vivendo de começos, fins e recomeços.
Tuesday, June 09, 2009
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1 comment:
Ê alegria! Que bom ver um texto teu saído do forninho!
:**
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