Friday, September 04, 2009

Dicionário amoroso de Roland Barthes

Eu tenho uma admiração eterna por um livro do Roland Barthes chamado Fragmentos de um discurso amoroso. Acho que é o mais próximo que eu chego de um livro da auto-ajuda, já que ele me ajuda a entender e reconhecer melhor várias situações individuais. Enfim, mas acho que isso é função de toda boa teoria, ajudar a compreender melhor o mundo. Já postei algumas coisas dele aqui antes, acho que a parte sobre o ciúme em especial - é uma das minhas favoritas. Aqui vão alguns trechos de tópicos que tenho lido.

ERRÂNCIA. Apesar de todo amor ser vivido como único e de o sujeito repelir a idéia de repeti-lo mais tarde em outro lugar, ele surpreende por vezes em si uma espécie de difusão do desejo amoroso; entende então que está fadado a errar até a morte, de amor em amor.

CARINHO. Não é apenas necessidade de carinho, mas também de ser carinhoso para com o outro; envolvemo-nos numa bondade mútua, maternalmente nos embalamos um ao outros; retornamos à raiz de toda relação, ali onde necessidade e desejo se encontram. O gesto carinhoso diz: peça-me tudo que possa adormecer seu corpo, mas não esqueça também que o desejo um pouco, levemente, sem nada querar agarrar imediatamente.

FAZER UMA CENA. Quando dois sujeitos discutem segundo uma troca regrada de réplicas e com vistas a ter "a última palavra", esses dois sujeitos estão casados: a cena é para eles o exercício de um direito, a prática de uma linguagem da qual são co-proprietários; um de cada vez, diz a cena, o que quer dizer: nunca você sem eu, e vice-versa. Tal é o sentido do que se chama eufemisticamente diálogo: não escutar um ao outro, mas sujeitar-se em comum a um princípio igualitário de divisão dos bens de palavra. Os parceiros sabem que o enfretamento ao qual se entregam, e que não os separará, é tão inconsequente quanto um gozo perverso (a cena seria uma maneira de se proporcionar prazer sem o risco de engendrar filhos).

EU TE AMO. Eu-te-amo não tem empregos. Essa palavra, tanto quanto a de uma criança, não é entendida a partir de nenhuma coerção social; pode ser uma palavra sublime, solene, ligeira, pode ser uma palavra erótica, pornográfica. É uma palavra socialmente errante.
Eu-te-amo não tem nuanças. Suprime as explicações, os preparativos, os graus, os escrúpulos. De certa maneira - paradoxo exorbitante da linguagem - dizer eu-te-amo é fazer como se não houvesse nenhum teatro da fala, e essa palavra é sempre verdadeira (tem como referente apenas sua proferição: é um performativo).

Saturday, August 29, 2009

Em tom menor

Correr cansa. Sempre estar atrás, em busca de, a procura de, quase mendigando atenção. Cansa. Na verdade, retire-se o “quase”. Mendigo. Pedinte. Requerente nas filas intermináveis de uma burocracia amorosa. Devia haver leis contra isso.




No entanto, que ressonância se pode esperar na dispersão? Pode o assassino serial que metralha a multidão esperar que suas vítimas joguem-se em direção às balas que ele ainda não disparou? A metáfora é ruim, falha, pedestre e de mal gosto. Seria melhor criar uma imagem mais distante da realidade, talvez um náufrago cuja salvação dependa de quem ouça os seus gritos de socorro, mas tudo que fazem os marinheiros é admirá-lo de longe, indecisos sobre a quem se dirigem os gritos, e entretidos em resolver seus deveres individuais.


Enfim, sei que há solidão maior do que aquela em que tudo que se exige é alguém que olhe com mais cuidado para si. Não há drama nisso, não há mundo que vá deixar de existir por conta disso, muito menos não há suicídio no horizonte por conta de um amor inexistente. Não, não há essa angústia que só as paixões avassaladoras, mal-resolvidas ou não, podem causar. Não, nem mesmo a dor atinge notas mais altas. Resta apenas uma tristeza sussurrada entre dentes, que insiste em aparecer nas madrugadas solitárias, na cama vazia na madrugada, no peito sem ninguém a recostar-se nele, na ausência de cheiro de uma outrem quando se dorme. Resta apenas uma sensação esquisita, a coceira em um membro amputado, uma intimidade genérica extirpada que insiste em se fazer desejada.

Tuesday, August 25, 2009

Song for Ulrike Meinhoff

Ontem, após ver no cinema “O Grupo Baader-Meinhoff”, filminho político alemão sobre o grupo armado de extrema-esquerda de mesmo nome, saí inspirado o suficiente para compor uma canção em inglês. É dedicada a Ulrike Meinhoff, uma das líderes do grupo, interpretada por Martina Gedeck, já conhecida por suas atuações em “A vida dos outros” e “Partículas elementares”. Aqui vai a canção.

Song for Ulrike Meinhoff


Ulrike, please don’t call me a swine
I read all of your texts
And didn’t call the cops

Ulrike, I also cried with handcuffs
But mine were only broken
By love’s internal growth

Ulrike, I know I dance like a chicken
And eat like a pig
But love I’ve got plenty
As money stolen in a bank robbery

Ulrike, please don’t forget my name
I may have wife and kids
If you shoot me, who they’ll blame?

Ulrike, I’ve got a thing for you
It may be a revolution
Or my heart in a piece or two

Monday, August 24, 2009

Carinho

Quanto menos se recebe, mais se quer.

E essa falta faz dormir em camas estranhas,
Faz procurar pessoas indesejadas,
Ligar para quem não liga,
Querer quem não se quer,
Faz do desejo uma errância,
Da errância um desespero,
E, à procura do que não vem,
Acaba-se num labirinto de espelhos,
Narciso preso em seu brinquedo.

Friday, August 14, 2009

Tomar juízo

Um dia essa hiperatividade alcoolica de fim de noite ainda vai fazer mais mal do que apenas escrever um texto do qual eu não me recordo no outro dia.

P.S.: Nem adianta procurar, óbvio que ele foi deletado. Era muito sujeira.

Tuesday, August 11, 2009

Dá um emprego, moço?

Como forma de protesto contra meu súbito e inesperado desemprego, não posto nada até arranjar uma nova fonte de renda!*
Amigos de todo o mundo, se souberem de uma vaga de revisor em qualquer parte do Brasil e imediações, podem me avisar.




* Blefe óbvio e ululante (ou seja, um blefe com colares havianos dançando o ula-ula).

Friday, August 07, 2009

Uma canção natimorta

Eu queria escrever uma canção sobre uma adolescência esquisita, com meu corpo isolado do mundo por um casaco de mangas muito longas, com meu rosto encoberto por uma cortina de cabelos, com minha voz encoberta pela timidez e pelo ressentimento.

Eu queria que fosse uma canção boba como os tantos poemas de amor que já escrevi, como todas as paixões que já tive, bobo como o primeiro grande amor, bobo como o segundo grande amor, bobo como eu tantas vezes, bobo como todas as vezes em que relutei em amadurecer e continuei sendo um bobo, distraído e ingênuo, envolto na meia de lã das minhas bobagens.

Eu queria que fosse uma canção, porque na adolescência as únicas narrativas são de aventura, terror ou romance, e eu queria falar de angústia, do desespero de não se sentir pronto, de tardes e noites passadas no escuro de um quarto trancado, de conhecimentos obscuros da vida adulta que vão acontecendo sem que você peça, depois que você já os tinha esquecido, ou antes mesmo que você soubesse qualquer coisa a respeito deles, do primeiro contato com a vida e com a morte, com o sexo e com o amor, com a traição, a malícia, a maldade.

Eu queria escrever uma canção, mas eu não sei mais escrever versos, eles me parecem todos escritos por algum cadáver que sobrou da minha adolescência e continua impregnado nos meus ossos, dividindo meu corpo, incapaz de sair mim, de me deixar seguir minha vida, e que continua me julgando com toda sua ingenuidade, condenando meu cinismo, minhas traições, minha malícia, minha maldade. Ele me olha de dentro de mim e tentar murmurar com uma língua que não mais lhe pertence: eu não queria ser você.

Monday, August 03, 2009

Trilogia da Masmorra

Dando um furo de reportagem, postando meu texto que vai participar na exposição "Anistiados", na galeria Álvaro Campos de 06 a 29 de Agosto. Nem é furo mesmo, pq eu sou só um na galera que tá participando. E só vale mesmo vendo junto com as gravuras, já que os textos foram produzidos a partir delas.
Bem, o meu se chama "Trilogia da Masmorra", um título bem grandiloquente, mas foi a forma que eu encontrei para dar minha versão de um conjunto de três gravuras. Taí.

TRILOGIA DA MASMORRA

I
Estamos juntos, mas não nos falamos. Aqui, parece nos faltar a voz. Às vezes, até me sinto como uma voz sem corpo, perdida na prisão da minha cabeça. Como se fosse um narrador de fora da minha vida, que agora é deles. Como se fosse escrito por outra pessoa.

II

Tudo começa e acaba pelo corpo. E o corpo começa e acaba pela pele. Nossa pele, curtida por eles. Como couro de lombo de burro. Couro queimado, esse em que trabalho, de onde sai minha voz.

III

O corpo sofre, mas, entre um suplício e outro, permanece a modorra. O corpo quer descansar, quem sabe para sempre, mas um latejar de dor (de vida) nos mantém vivos, acordados, como uma escuridão que não apaga a luz, como um silêncio que não cala a voz.


P. S.: Pra quem quer saber mais sobre a mostra, o blog é www.anistiados.blogspot.com

Friday, July 31, 2009

Ronda na madrugada

A madrugada tem um cheiro gostoso, um vento mais vivo, um indefinido desafiador a cada esquina. Não há como negar, é um território familiar e atrativo. Aqui é o meu terreno, onde me descolo ágil por ruas escuras, postes sustentados por sacos de lixo, grilos-vigilantes, mendigos invisíveis, porteiros sonolentos em suas guaritas, praças ainda molhadas de chuva, vacas desgarradas pastando em terrenos baldios, carros em alta velocidade, carros em baixa velocidade, suspeitos, espíritos de crianças que se perderam dos pais, bêbados que se perderam na própria vida, bares cheios, bares vazios, árvores fora de lugar, casais refugiados no aconchego secreto da noite, pedreiros cansados em obras fora de hora, lembranças de uma praia distante, um céu prenhe nuvens, prestes a parir uma tempestade que não pára meus passos, e eu continuo sem rumo, guiando um cabedal de alfabetos esquecidos por uma avenida de linguagens mortas, em que as folhas caídas de uma amendoeira vão cair sobre um feirante que dorme esperando os clientes mais madrugadores, velhinhos que por costume e pela insônia e inquietação da idade saem da cama antes mesmo que eu tenha ido dormir, que acorda, abre um pouco os olhos, retira a folha de cima de seu lençol, olha aquela comunidade num sono que mais parece vigília, e volta a dormir, se conjugam para criar um sentido que se completa no próprio ato, uma obviedade pura e gratuita, cristalina e escura, que diz sim e que diz não, um paroxismo saltitante de alegria, uma gloriosa madrugada sem fim que sempre se torna manhã.

Friday, July 17, 2009

Curuminha

Sente, eu estava precisando conversar com você. Precisar talvez não seja a palavra certa, não sei dizer o que é isso, desejo ou necessidade, curiosidade ou vontade, mas você sabe como eu sou, curuminha, oscilante, vacilante, inseguro e impreciso.

Sente, para conversarmos. É por isso que a chamei, curuminha. Mas, engraçado, não sei que lugar é esse, muito menos o que é que eu tanto tinha para falar. Na verdade, talvez eu não tenha nada a dizer, mas ao mesmo tempo tenho tanto para contar. Uma conversa sem palavras, mas não aquele tipo de diálogo silencioso em que as pessoas se entendem instintivamente, a mão imóvel falando carícias ao rosto angustiado. Não, não é esse sonho romântico a que me refiro, curuminha, mas a uma conversa vazia, sem fala, sem palavras, sem tema, sem o que dizer, uma comunicação falha, que acaba antes de começar, uma implosão de sentidos. O silêncio sussurrando, um lenço branco numa nevasca, branco sobre branco.

Mas as coisas têm nome, curuminha. E se a chamo para nada dizer, para dar voltas incompletas e descentradas, se curvo o pensamento sem chegar a lugar algum, se espiralo em torno de você, bailarino na catástrofe, é porque assim faço o contorno da sua presença no ar, desenho um corpo para me fazer companhia e, pelo menos enquanto escrevo, aplaco a ausência e faço de conta que há solidão há muito já se foi. Só que a escrita termina, a tinta acaba, o dedo cansa, e eu tenho que voltar a dormir, dormir e sonhar com um texto infinito, em que eu esteja sempre recriando você, curuminha. Dormir para sonhar o impossível, e depois apagá-lo.

Monday, July 06, 2009

Vítima do Pensamento

Vasculhando a internet em busca de poemas do Paulo Leminski pro post passado, acabei me batendo com uma citação bem interesse do patrono desse blog. É a seguinte:

"A maldição de pensar fez suas vítimas: em minha geração, vi muitos poetas se transformarem em críticos, teóricos, professores de literatura"

Não aconteceu na hora, mas foi o suficiente para ir fermentando na cabeça e, alguns dias depois, eu dizer para mi mesmo: tá aí, você é uma vitima do pensamento”. Claro que eu não quero dizer que o mundo deixou de ganhar um grande escritor para ficar com um reles revisor de textos, mas lembrei de outros anos, quando escrever era muito fácil, e a minha imaginação rolava solta. Quando ao invés de inventar um post a partir da minha lista de leitura (a próxima readlist comentada está chegando só falta terminar metade de Os detetives selvagens, assim, umas 300 páginas), eu conseguia criar alguma coisa interessante a partir de uma banalidade.

Não quero também dizer que os textos antigos daqui são todos ótimos. Sejamos honestos, tem merda pra caralho aqui. Mas também tem muita coisa que me dá orgulho, que eu consigo reler várias vezes e continuar achando legal. Por exemplo, o post “Eu nunca tive uma máquina de escrever”. Para mim, o melhor de todos. Bem humorado, pega um assunto banal, transforma num tópico relevante, usa boas imagens, enfim, virou modelo da minha boa escrita. Não vou apontar os que eu não gosto, porque aí já é expor a minha própria tortura.

Aí eu me pego pensando, por que cargas d’água eu me deixei virar uma “vítima do pensamento”? Será que foi porque eu resolvi abandonar a criatividade e me dedicar aos estudos de vez, me transformando no clássico modelo de crítico literário, o escritor frustrado? Será que é simplesmente uma questão de hábito, e com o tempo talvez eu consiga reativar esse sótão imaginativo cheio de teias de aranha? Ou será ainda que simplesmente eu tinha uma vida mais cheia de aventuras e descobertas, menos cínica, cética e mal-humorada, mais deslumbrada, esperançosa e surpreendente? Essa hipótese até que casa, mas nesse caso não foi a vida que mudou, e sim eu. Talvez sejam todas as três. Enfim, sabe-se lá o que aconteceu, antes era mais fácil escrever.

P.S.: Esse post daqui tava pronto há um tempo, só esqueci de publicar. Sobre o acidente de carro desse fim de semana, esperem mais um pouco.

Monday, June 29, 2009

Vamos brincar de poesia?



Tô com saudade de poesia, depois de alguns anos de jejum talvez esteja na hora de voltar a ler um livro de poemas. Talvez o mais marcante, o mais bonito, o que ficou mais fundo em mim tenha sido "Poemas para brincar", do José Paulo Paes, lido primeiro na infância, depois novamente na adolescência (quando conheci a poesia "adulta" dele) e repetidamente sempre que encontro esse livro em casa. Luiz Maia ilustrou no tom certo esses poemas infantis que me divertem e me fazem feliz até hoje. O abecedário impossível ao final do livro é uma das minhas referências em termos de humor, entre tantos outros grandes poemas. Então, ficam aqui o "Convite" que abre o livro e, só pra arrematar, um do patrono desse site, Paulo Leminski, continuando com a vibe Desperado.

Convite (José Paulo Paes)

Poesia

é brincar com palavras

como se brinca

com bola, papagaio, pião.

Só que

bola, papagaio, pião

de tanto brincar

se gastam.

As palavras não:

quanto mais se brinca

com elas

mais novas ficam.

Como a água do rio

que é água sempre nova.

Como cada dia

que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

[Transar bem todas as ondas] (Paulo Leminski)


Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense.
A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada.

Monday, June 15, 2009

Readlist Comentada

Últimos 5
1 – Carta ao Pai (Franz Kafka): Muito bom, terminei de ler vendo o jogo do Brasil. O livro tava mais interessante. Carta de um filho muito puto com seu pai aos 36 anos. E ele acabou nunca enviando a carta. Seriously? Get a life. Ou melhor, no caso dele, get a wife. Enfim, é por dessa situação pessoal tosca que Franzinho consegue fazer um livro do caralho. Para relembrar todos os defeitos e esquisitices que você deve à fuleragem dos seus pais.
2 – O tigre branco (Aravind Adiga): Ganhador do Prêmio Booker em 2008, tipo um Oscar inglês da literatura. Narrador pobre escroto que sobe na vida após matar e roubar o chefe. Narração interessante, mas, não sei, eu tenho alguns receios com literatura sujinha de denúncia política e social. Ainda assim, pelo humor e pela ironia do narrador, vale a pena.
3 – Ciências Morais (Martín Kohan): Sexta-feira imprensada, liberado do trabalho, li nas paradas da minha caminhada pela 13 de Julho, Riomar, etc. Mais um exemplo de livros que usam a escola como metáfora para a nação. Narração focada numa inspetora do Colégio Nacional de Buenos Aires durante a Guerra das Malvinas. Tinha tudo pra ser um livrinho manjado, mas o cara conseguiu fazer uma coisa bem interessante. Joga muito bem com silêncios e consegue deixar o leitor interessado com o mínimo de ação.
4 – O casamento (Nelson Rodrigues): Why, lord why? Okey, eu gosto de putaria e gosto de ler putaria. Mas, mesmo o livro sendo muito bom, será que esse cara não poderia ter sido um pouco menos doentio? Nem todo mundo precisa deflorar virgens na frente de outros pra ter prazer. Sem falar do enredo, dou logo a moral da história: todo mundo é escroto e todo mundo tem problemas sexuais. Ah, foi proibido pela ditadura e depois liberado. Só pra aumentar um pouco mais o fuzuê em torno dele.
5 – Angústia (Graciliano Ramos): Tio Graci, te amo do fundo do meu cruel coração, mas concordo com o que você disse em outro livro seu: dava pra ter cortado pelo menos metade desse livro pra ele ficar melhor. Enfim, pra quem acha que o cara é só sertão, esse é um livro bem psicológico, com ótimos diálogos interiores. Sinceramente, um clássico brasileiro que devia ser mais lido. Mas um clássico que merecia ter tido um editor mais cruel (quer que eu edito?!).

Próximos 5
1 – Invenção e memória (Lygia Fagundes Telles): Li muito tempo atrás o “Antes do Baile Verde” dela, achei esquisito, mas gostei. Tou precisando ler uma mulher esse ano pra preencher a cota, então vamos lá.
2 – O filho da mãe (Bernardo Carvalho): Pode ser uma bichinha chata e metida, mas é um dos melhores brasileiros escrevendo atualmente. Esse é o novo dele.
3 – Todos os fogos o fogo (Julio Cortázar): Não tenho a mínima idéia sobre o que é o livro, mas a curiosidade depois de ter lido “Bestiário” fala mais alto.
4 – Os detetives selvagens (Roberto Bolaño): Adoro esse chileno. É um dos autores quentes do momento, mas o cadáver já frio tem alguns anos. Li algumas coisas muito boas dele (a mais recente, “Amuleto”, bem divertido e louquinho), e agora finalmente me decidi a encarar a chamada obra-prima do cara. Que sempre tem que ser um catatau da porra, quando se trata de escritores. Então, desejem-me sorte.
5 – O quinto eu não sei ainda, então bota na conta do Roberto aí de cima e fica tudo certo.

Sorte do dia:
“A dúvida converte um homem bom em um paranóico delirante.”

Tuesday, June 09, 2009

Passo a passo

Acordo com susto, sem dor, sem cansaço, sem sono, desperto subitamente sabe-se lá por quê. O relógio do corpo parou de funcionar. Antes, era simples. Dormir tarde, acordar tarde. Para ocupar o tempo vazio da noite, livros, filmes, amigos, cerveja, jogos de computador. Qualquer coisa para não dormir logo, para acordar já na hora do almoço, quando o dia me exige que eu seja útil. Para não ter que encarar o tempo vazio da manhã. Ando com medo de ficar às sós comigo, como espelhos estivessem ao meu redor, e cada um deles fosse de sangue e carne de juiz, júri, executor. Devo alguma coisa para mim mesmo, e não sei (não quero saber) o que é.

Na verdade, os espelhos estão de verdade ao meu redor. Os quartos desse apartamento novo são cheios de espelhos de corpo inteiro. No meu quarto é pior, já que posso olhar meu rosto mesmo deitado. Aqui, neste quarto que não é meu, mas que ocupo há alguns meses, os espelhos me poupam e sobram-me os pés. Este quarto de minha irmã (ausente, morando em outra cidade, como eu o fiz antes dela), assim como o meu, foi projetado especialmente para este novo apartamento, em que meus pais moram há mais ou menos dois anos e meio. Mudaram-se na mesma época em que saí daqui. Este quarto não é meu, assim como o outro nunca o foi. Aquele que deveria ser meu parece-me projetado para um outro corpo, uma outra pessoa. Tem as paredes pintadas de um azul infantil, boboca, idiota, que parece uma tentativa forçada de me regredir para a pré-adolescência, época das mais macabras que já vivi. Este, da minha irmã, é um quarto rosa, também num tom boboca, infantilóide, estúpido. A ela, pelo menos, tiveram a consideração de dar uma cama de casal, enquanto eu me mantive na cama de solteiro dos filhos caçulas, abençoados e amaldiçoados por esse afeto diferente de que são vítimas.

Não me importo em viver em um quarto rosa, não me fere de modo algum a masculinidade. Já vivi em um quarto rosa antes, por um ano, numa pensão. Num quarto rosa-choque com cortinas verde-cana, talvez uma possível paródia das cores da Mangueira. Um quarto de pensão, em que se ouvia tudo dos outros quartos e dos apartamentos acima; em que se precisava afastar a cama da parede e retirar todos os objetos do chão caso se fosse sair em época de chuva; um quarto escuro, opressivo, frio. Mas que sentia como mais meu do que este em que acordo sem saber por que às 4 horas da manhã, sem sono, como se uma energia represada se manifestasse contra minha vontade, e completamente fora de hora.

O relógio do corpo parou. Antes, era simples. Mas eu resolvi começar a acordar cedo, comprei um despertador, e agora meu corpo parece se revoltar contra qualquer tipo de disciplina que eu tente impor a ele e me diz que se acostumou com a vida boêmia, queira ou não. Vou ignorá-lo, e insistir. Pareço um bebê dando seus primeiros passos, ou melhor, um aleijado que está reaprendendo a andar, com pernas que não sabem mais como se sustentar. Vamos com os primeiros passos. Talvez um deles, este texto. E este blog, tão abandonado, coitado, está parecendo minha vida. Vivendo de começos, fins e recomeços.