Tuesday, August 16, 2005

De árvores e saídas

As leituras do fim de semana renderam duas passagens antológicas:

"Trepar numa árvore é empresa pessoal que talvez não volte a se repetir nunca. Quem se abraça ao peito alto de um tronco, realiza uma espécie de ato nupcial, deflorando um mundo secreto, jamais visto por outros homens. A vista abarca, de pronto, todas as belezas e todas as imperfeições da Árvore. Sabe-se das duas ramas tenras, que se apartam como coxas de mulher, ocultando na juntura um punhado de musgo verde. Sabe-se das feridas redondas deixadas pela queda das vergônteas secas. Sabe-se das esplendorosas ogivas de cima, tanto como das bifurcações estranhas que carregam todas as seivas a um madeiro favorecido, deixando outro na esqualidez do sarmento bom para as chamas."

Alejo Carpentier, em O Século das Luzes.


"Todas as soluções que imagino são internas ao sistema amoroso: isolamento, viagem, suicídio, é sempre o amante que se enclausura, parte ou morre; quando ele se vê enclausurado, distante ou morto, o que continua a ver é um amante: ordeno a mim mesmo continuar sendo amante e não mais sê-lo. Essa espécie de identidade do problema e de sua solução define precisamente a armadilha: estou numa armadilha porque não está em mim mudar de sistema: sou "pego" duas vezes: no interior de meu próprio sistema e porque não posso susbtituí-lo por um outro. Este duplo nó define, parece, um certo tipo de loucura (a armadilha se fecha quando o infortúnio fica em seu contrário: "Para que infortúnio haja, é preciso que o próprio bem machuque". Quebra-cabeça: para "sair dessa", eu teria que sair do sistema - do qual quero sair, etc. Se não fosse da "natureza" do delírio amoroso passar, ruir por si mesmo, ninguém jamais poderia pôr-lhe um fim (não é por estar morto que Werther deixou de estar enamorado, muito pelo contrário).

Roland Barthes, em Fragmentos de um discurso amoroso

6 comments:

Anonymous said...

Ainda bem que a nossa natureza é cíclica. ( e sábia )
Por vezes, o fim do enamoramento pode significar apenas o começo.
That's balance!

"When it’s over
That’s the time I fall in love again
And when it’s over
That’s the time you’re in my heart again
And when you go go go go
I know
And it never ends
It never ends

When it´s over ,can I still come over?" Sugar Ray

Nice choice, Roland Barthes!

Anonymous said...

ELUCUBRAÇÕES

Esta árvore à minha frente é mesmo uma árvore?Do sexto andar dá pra ver pessoas caindo?Existe mesmo suavidade,ou só na mesa 7?Pessoas anônimas não seriam antônimas?Cristo de Pedra...Quem abre os braços sou eu?
E...e...bem...Ficamos,Kerouac e eu,a refletir sobre o que Deus deveria estar pensando quando fez a vida ser tão triste assim.

Anonymous said...

Primeiro texto meio pansexual (foi a primeira coisa que me veio a cabeça). De certa forma eh, ao ver na árvore a figura da mulher.
Eu preferiria um galho naum muito fino e macio (acho que naum existe), vendo por esse lado...
No outro (mais complexo), eu tenho soh um comentári a fazer: o amante sempre sofre, sempre...
Xeros Vlad

Anonymous said...

Lembrei-me de um poema que se liga muito bem ao primeiro texto ( mas tb ao segundo):

Ilha

Deitada és uma ilha. Eraramente surgem ilhas alongadas com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente.

promontórios a pique e de repente na luz de duas gémeas madrugadas o fulgor das colinas acordadas o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

David Mourão- Ferreira

Anonymous said...

O primeiro texto contém exatamente o q eu ia te sugerir ontem com relaÇão a possíveis prisões criadas pelo enamoramento descrito no segundo: procurar paliativos "arbóreos", "gelatinosos" e/ou "cafeinados" (acho q desses eu falei). Parece patético, mas acho que funciona...
Para os passionais, (como eu) o sofrimento não é opcional e o enamoramento é eterno. A "cura" parece estar na substituição periódica do foco. O "descolar de matérias" é mesmo dolorido, mas permite q busquemos o novo. Assim tenho feito, apesar de pouco ter encontrado de fato...

Acho q me empolguei =)

Bejo! :*

Monsieur Le Marquis said...

O que é mais estranho é que isso faz imenso sentido, não fazendo sentido nenhum, mas talvez por isso mesmo. E é maravilhoso poder pensar no Amor como o Criador, ao mesmo tempo que é o Devorador de si mesmo, alegremente.A morte não é o fim de nada, apenas um fechar de pano sobre a coisa presente. O senhor Barthes merece o céu (embora tenha dúvidas de que ele o queira...)