Sunday, August 07, 2005

Fio de Vida

Alguém pisa na poça d'água. Um tênis azul molhado espalhando água. A barra do jeans também molhada. Casaco, blusa, cabelo. No fundo da chuva, no fundo da noite, dois olhos negros de desespero brilham. Molhados.

O guarda-chuva pende inútil de sua mão. Não o ergue. Está aberto, mas permanece apontado para baixo, balançando. O guarda-chuva preto, um espelho.

Quatro horas da madrugada. Chove na cidade inteira. Do alto no viaduto, plantado nas linhas que dividem uma pista de outra, olha para os prédios de sua cidade e não os vê. Nunca tinha os deixado de ver dessa maneira. Uma chuva que encobre toda visão. Toda realidade.

Atravessa a rua até o parapeito do viaduto. Um carro já poderia tê-lo atropelado, mas a chuva está desviando tudo do caminho. Bendita chuva. O bloco de concreto entre o asfalto e o ar não é grosso, não é fino. Cabe um pé no comprimento. O tênis toca o fio da navalha. Molhado. Isso vai ser difícil.

Andar no fio da navalha, na linha da navalha, na linha que corta a vida, a que separa a pedra do ar, o caminho da queda. A vida por um fio de navalha. Um, dois, três, quatro. Como equilibrista de circo, pé ante pé, braços abertos, o Criso Redentor dando seus passos de estátua.

O vento aqui corre com a serenidade dos temporais, com a calmaria das catástrofes, o afeto dos holocaustos. Carinho é só uma forma controlada da violência. Violência é só uma forma descontrolada do carinho. Cinco, seis, sete, oito. Aqui a chuva me acaricia e me aflige. Meu látego e meu leito, meu suplício e meu sossego. Chuva, chuva, me cubra até a borda do desespero.

Nove, dez...Ah...Escorreguei.

9 comments:

Anonymous said...

Até que enfim... pensei q ia precisar de um empurrãozinho. Será?... ;)

Anonymous said...

esse é um texto que merece ser lido mais umas dez vezes. q nem quando eu assiti o clube da luta.

*clap*

Arlerquina
www.beijodearlequim.blogspot.com

Anonymous said...

a novela,
o novelo,
navalha.
na vala...

não vale
- na velhice talvez.

Anonymous said...

"The sea it swells like a sore head
And the night it is aching
Two lovers lie with no sheets on their bed
And the day it is breaking

On rainy days, we'd go swimming out
On rainy days, swimming in the sound
On rainy days, we'd go swimming out

You're in my mind all of the time
I know that's not enough
If the sky can crack, there must be some way back
For love and only love

Electrical Storm
Electrical Storm
Electrical Storm
Baby don't cry "

Uma música fantástica dos U2.Dia 14 vão actuar em Portugal e eu não arranjei bilhetes.( snif, snif )
A chuva sugere muitas vezes um sinal de purificação, de recomeço.
A chuva traz-me boas e más recordações. Gostei muito do teu texto! Escorrega à vontade no mundo das letras.

Anonymous said...

By the way,tu tens msn? Se tiveres acrescenta o meu mail: barroca5@hotmail.com
bye!

Anonymous said...

Muito bom! Vou soh dizer isso...tah chovendo dentro de mim, e eu jah toh me afogando...naum dah pra falar...
Xerus

Anonymous said...

Ai,essa chuva tem um gosto de soro caseiro.É,tem um gosto de lágrima...

Anonymous said...

chuva pra mim é sempre bom. lava a alma, leva a alma... pena q tenha havido um escorregão e num um propósito... a gente, qdo faz algo q não gosta, acaba sempre arranjando desculpas esfarrapadas. e eu cansei de escorregões. ou pelo menos de fazer eles existirem em tudo o q faço... =/

Anonymous said...

sorry...