Thursday, July 14, 2005

O céu visto à noite

O caminho inicia-se adornado de pequenas pedrinhas (pontiagudas algumas) que incomodam os pés descalços daquele que aí anda pela primeira vez. Há arbustos ao redor, mas o início do quebra-mar é pedra por dentro e areia por fora, inverso do seu prosseguimento.

Um homem, vestindo um longo sobretudo marrom, começa o caminho, pisando receoso nas pedras, como um ladrão num assoalho. O vento forte e frio da praia amacia seus finos cabelos negros. Suas mãos estão nos bolsos do sobretudo fechado.

O caminho continua e sua configuração muda. As pedras do quebra-mar projetam-se do lado direito, deixando embaixo a areia molhada de lagoinhas formadas pelo mar. A areia vem comendo as pedras pelo outro, ficando no mesmo nível da passagem, marcando os pés de nosso homem com finos grãos. Vento e areia, juntos, cortam fina e delicadamente a pele dele.

É um primeiro encontro e ele se dirige ao fim do quebra-mar, onde está não um farol, como haveria nas boas histórias, mas apenas um bloco de concreto com um sinalizador vermelho. É dia, o sinalizador de nada adiante para ele. Apenas para barcos desavisados que se aproximam perigosamente dos rochedos finais do quebra-mar.

O caminho, antes do final, novamente ergue as rochas do seu lado direito, dessa vez sobre o começo de ondas do mar, algumas mesmo jorram água na passagem. Do lado esquerdo, agora existem plantas rastejadoras na areia, que evitam o vento rente ao chão, e grandes rochas, como as do lado direito, enterradas na areia, apenas a parte superior para fora. Em alguns pontos, algumas se amontoam. Formam refúgios para inconcebíveis prazeres, pensa nosso homem.

Ele recebeu seu recado. Após uma curva no caminho, entrada para a parte final de sua pequena jornada, ele avista o sinalizador, o bloco de concreto e, sentada sobre ele, uma mancha vermelha cujos cabelos castanhos o vento quer levar consigo. É Ela.

O final do caminho consiste em rochedos se projetando em ambos os lados sobre o mar. O que era areia fina no meio do caminho novamente se converte em pedra. Dessa vez, em maior quantidade e mais afiadas. Não é mais um ladrão no assoalho que está andando, mas um suicida num campo minado. As pedras estão molhadas, em falso, pode-se escorregar e cair. É preciso saber onde se pisa, e nosso homem não pode voltar os olhos para cima sem perigo de ir ao chão.

Ele finalmente termina seu caminho, perto do bloco de concreto as pedras dão uma trégua, mas o vento dificulta que ele ouça Sua voz. Ainda sim, chega a ele isso:

- Olá, Later. Então você recebeu meu recado.

Sem responder, Later tira as mãos dos bolsos, leva-as à altura do pescoço e começa a desabotoar passo-a-passo o sobretudo. Logo que termina sua ação, com um movimento de ombros e ajuda renovada de suas industriosas mãos, ele retira o sobretudo.

Não é pele o que aparece por baixo. É uma matéria negra, como o espaço, como o céu olhado à noite. E nessa matéria há vários pontos luminosos, estrelas a gotejar a superfície, são tantas como o céu visto à noite. Seus olhos são dois grandes pulsares, ai! se pudessem ser vistos no céu visto à noite. Na altura do coração, um grande buraco negro a consumir tudo, pedra, areia, mar, sinalizador, concreto, estrela, quebra-mar, o céu visto à noite. E de sua boca, único sol dessa constelação, saem alguns raios de luz:

- Mergulhe no infinito do meu corpo.

3 comments:

Anonymous said...

Nossa... to me recompondo ainda. Amei! =)

Anonymous said...

Só me consigo lembrar deste poema de Florbela Espanca:

" O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
- O jardim dos meus versos todo em flor...
A seara dos teus beijos, pão bendito...

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços,
Via láctea fechando o infinito!..."

Anonymous said...

Lindo Vlad...lindo...toh meio sem palavras hj...
xero
;D